// Por Rodrigo Luz & Adriana Thomaz //
“Como a nossa sociedade atual cala o luto, cabe aos profissionais
engajados no processo de reumanização da morte abrir espaço para a expressão da
dor e do sofrimento, numa atmosfera acolhedora, não compactuando com o
silenciamento e o abafamento trazidos por uma sociedade que fala sobre ser forte,
discreto e não incomodar. Um ouvido disponível tem melhor efeito do que
calmantes.”
Maria
Júlia Kovács
1.
Introdução
Os
maiores mistérios que assolam o ser humano se referem às suas origens, à sua
função no mundo e à sua finidade. Para tentar compreender e explicar isso, a
humanidade vem buscando articular os variados conhecimentos filosóficos,
empíricos, religiosos e científicos. Dentre os mistérios mais impactantes, a
morte é o mais aterrorizante, justamente porque implica no desaparecimento e na
aniquilação do ser. O terror de “tornar-se não existente, pelo menos como forma
de vida conhecida, persegue todos os seres humanos” (Cassorla, 2009).
Mas,
afinal, “por que e para que falar de um tema que pode ser tão triste, que traz
e nos remete a tanto sofrimento” (Paiva, 2011)? Por ter em si tanta dor,
angústia e ansiedade, o tema da morte é, geralmente, temido e negado. Até mesmo
nas áreas das ciências da saúde e da vida ainda resta muito a fazer para que
haja intimidade, entre os profissionais, com os temas e os dilemas relacionados
ao fim da vida.
O que
é certo é que não é a morte, mas o conhecimento da morte que cria problemas
para os seres humanos (Elias, 2001). Talvez seja por isso que nós erguemos
defesas – muitas delas baseadas na negação – para nos ajudar a esquecer do fim
inevitável. Dada a centralidade da morte em nossa vida, uma vez que a vida e a
morte são dois fenômenos comuns a toda a espécie humana, como ignorá-la? Desde
os períodos mais recuados da humanidade, o homem registra o seu medo diante do
padecimento e da morte, além de registrar, em seguida, que precisa descobrir
uma forma de viver – apesar do padecimento e da morte. A ideia do nada após a
morte o aterroriza (Yalom, 2008).
Em
pleno século XX, a morte havia se tornado objeto de interdição,
caracterizando-se como a “morte interdita”. Fenômeno complexo, a “morte
interdita” pode ser relacionada, em parte, ao hospitalocentrismo, quando o
hospital tornou-se o reduto de pacientes em fim de vida, como fuga social para
se evitar a angústia de se enfrentar as realidades das doenças fatais e da
finitude da vida. Assim, os moribundos foram “retirados do convívio social” e
enviados para os hospitais, onde, supostamente, seus sofrimentos poderiam ser
minimizados e suas dores seriam diminuídas. Com o “desenvolvimento do aparato
técnico-científico”, o “aumento da despersonalização”, o “fascínio com os
resultados adquiridos no último século” e com o “crescimento das condutas
pautadas por contratos, protocolos e índices estatísticos”, houve uma perda do
exercício carismático do cuidado, da mão que afaga e da presença que consola. Não
desconhecemos a importância da tecnologia disponível para os tratamentos
médicos; a questão não é impor limites para a tecnologia, mas discuti-los (Pessini,
2001; Caponero, 2006).
Outra
questão relacionada à interdição da morte é que a autonomia e a dignidade do
paciente gravemente enfermo e, não raro, nas fases finais da vida, muitas vezes
não são levadas em conta, em virtude da lacuna existente na formação de
profissionais da saúde, que se encontram, absurdamente, despreparados para
acompanhar as pessoas que se encontram nas fases terminais da existência e os
seus respectivos familiares (Hennezel & Leloup, 2012). No século XX há,
ainda, a supressão do luto, escondendo-se a manifestação ou até mesmo a
vivência da dor, uma vez que a sociedade não suporta enfrentar os sinais da
morte (Kovács, 1992).
Por
outro lado, a morte esteve e continua presente, fenômeno que pode ser
caracterizado como uma espécie de “morte escancarada” (Kovács, 2009). Através
das transmissões dos programas televisivos e dos diversos meios de comunicação
instantânea, a morte tornou-se companheira diária de crianças, adultos e
idosos, caracterizando-se como invasora e sem limites. A morte interdita e a morte
escancarada coexistem “porque o escancaramento da morte não permite espaço para
a sua elaboração, devido à rapidez da sua propagação, somando-se a todas as
distorções percebidas nos meios de comunicação” (Kovács, 2009). Ou seja: apesar
de a morte ser escancarada, através dos meios de comunicação, são poucos os
indivíduos que falam sobre ela, pois a consideram um evento que nunca pode
acontecer com eles – o que dificulta a sua elaboração. É apenas algo distante –
pensam alguns – que não vai acontecer comigo.
A
reflexão sobre a morte, a outra face do nascimento, deveria fazer parte dos
nossos programas educacionais, desde o início de uma jornada escolar que se
pretenda saudável e consciente (Hennezel & Leloup, 2012).
A
escola não corresponde, apenas, a um lugar de aprendizagem acadêmica para a
criança, mas um centro cultural de intercâmbio social para o desenvolvimento
integral; não é apenas um lugar de provas, testes e desafios, mas também de
apoio (Torres, 1999).
É
nesse espaço, também, que haverá as experiências de formação e de rompimento de
vínculos ao longo da convivência com professores, colegas de classe,
funcionários, etc. Ora, partindo desse princípio, não deveria a escola
“proporcionar um espaço para a reflexão de todos os aspectos constitutivos da
vida e da morte, inclusive” (Paiva, 2011)? Não nos deteremos demoradamente na
questão da morte na infância e do lugar da educação para a morte na escola, o
que seria fugir do objeto do presente trabalho, mas remeteremos o leitor a
estudos significativos que produzem excelentes reflexões a este respeito, nas
referências bibliográficas.
A
morte faz parte do desenvolvimento humano. De acordo com Kovács (2008), cada
fase do desenvolvimento pode ser identificada por particularidades que a
caracterizam, agregando-se a dimensão histórico-cultural. Na adolescência, o
desenvolvimento rápido do corpo, o desenvolvimento da sexualidade e as
experiências amorosas geralmente produzem um aumento da sensação de
invulnerabilidade que se relaciona a uma cultura ocidental “onipotente”, que
estimula uma crença de imortalidade tão presente e influente na vida dos
jovens. Não raro, os jovens buscam novas experiências, algumas delas com risco
para a vida. É como se a morte não existisse, uma sensação total de controle da
vida e com todos os requintes de onipotência. Poderia ser esta uma hipótese
para o aumento de mortes por acidentes na adolescência (Kovács, 1992; Kovács,
2003)?
O tema
da morte é visto como tabu, é ocultado e raramente tratado nas relações do
cotidiano, mas a sua comunicação é necessária para o enfrentamento das perdas.
Porém, observa-se uma falta de preparo para fazê-lo.
Como objetivo, este
projeto se preocupou em abordar aspectos de grande importância para facilitar a
discussão sobre o tema da morte – hoje, atualmente, interdito e banido das
comunicações entre as pessoas. Observa-se, contudo, paradoxalmente, que a TV
introduz, em muitos lares, todos os dias, cenas de morte, violência, acidentes
e doenças, e estas são presenciadas por jovens e crianças, sem a mínima
possibilidade de elaboração, visto que esses meios de comunicação possuem um
ritmo altamente acelerado (Kovács, 2003). Embora esses eventos sejam tão
correntes, os jovens são “poupados” pelos adultos dos comentários e das
discussões, pois isto poderia “entristecê-los” ou “traumatizá-los”... Daí surge
o fenômeno denominado “conspiração do silêncio”, onde “aquele que quer falar cala-se
por concluir que não há quem se disponha a ouvi-lo” (Araújo, 2006).
Kovács (2003) exemplifica
a morte escancarada em duas situações: a morte violenta das ruas, os acidentes
e os homicídios; a morte veiculada nos órgãos de comunicação, mais especificamente
pela TV. A morte violenta nas ruas está aumentando significativamente, com
altos índices de homicídios e de acidentes que envolvem, sobremaneira, os
jovens. É escancarada, sim, “porque ocorre na frente de qualquer pessoa, sem
máscaras ou anteparos” (Kovács, 2003). Todos a veem, inclusive as crianças.
Geralmente, é muito violenta, como as chacinas e os latrocínios. Essa qualidade
de ser escancarada não permite proteção, não há espaço para previsibilidade, e
torna a todos vulneráveis. Nesta maneira de estar com a morte, “não há
humanidade, mas apenas sensação de vulnerabilidade e de vida sem valor, sem
sentido” (Kovács, 2003). Entre as modalidades de mortes escancaradas,
encontram-se as tragédias naturais, as guerras, os sequestros seguidos de
homicídio, entre outras. A morte veiculada nos órgãos de comunicação está nos
noticiários, nos programas de auditório, nas novelas, nos filmes e nos desenhos
animados. É a morte que invade os lares e as instituições a qualquer hora,
sendo assistida por todos. O que a torna escancarada são as cenas chocantes,
mostradas e repetidas à exaustão, sem contar o texto que as acompanha,
principalmente na mesma hora que ocorre o acidente ou desastre – texto, na
maioria das vezes, que “não oferece espaço para reflexão por ser excessivamente
superficial” (Kovács, 2003). E o que é mais grave: após a enxurrada emocional
“segue-se uma notícia sobre amenidades, como os comentários futebolísticos ou
culinários” (ibidem). Neste caso como em muitos, a morte escancarada convive
com a morte interdita: ao mesmo tempo em que a morte entra em nossos lares,
mesmo sem ter sido convidada, ninguém fala sobre ela, dando preferência a
assuntos menos intensos, como o futebol.
Kovács (2003), citando
Fulton & Owen (1968), aponta dados alarmantes: crianças que nasceram entre
1950 e 1960, portanto a primeira geração televisiva, já viram 10000 homicídios,
estupros e outras formas de agressão. Por outro lado, não são apenas as
crianças que estão expostas à morte escancarada. Adultos de várias idades também
estão expostos à mesma sensação de vulnerabilidade, já que as cenas de morte,
violentas ou não, de terror ou não, podem ser transmitidas em qualquer momento.
Há imagens de mortes de pessoas ilustres e mortes de povos inteiros – seguidas
de relatos mais ou menos precisos de pessoas com fome, dor, desnutrição,
doentes, sem casas, etc. As imagens da morte trazidas pela TV têm como
característica comum a força de produzirem a imersão, nas pessoas, dos mais
variados sentimentos, sem que haja espaço e tempo para as suas elaborações, uma
vez que, após a exposição de desastres, fala-se de amenidades. Esta é uma forma
de banalizar a morte, apontando que, mesmo ela ocorrendo, a vida continua, pois
“vai tudo ficar bem” (Kovács, 2003). Após uma breve exposição sobre a morte
escancarada, desejamos ressaltar que não queremos que esses fatos deixem de ser
veiculados, mas propomos que se pense em nova maneira de fazê-lo (Kovács,
2003).
2. Morte
Interdita versus Morte Humanizada
A morte interdita teve seu
início quando algumas verdades começaram a ser problemáticas. Desde a Alta
Idade Média até a metade do século XIX, a atitude diante da morte mudou. De uma
morte “domada”, familiar, próxima e presente, passou a ser uma morte interdita,
negada, silenciada (Àries, 2003). Um sentimento encontrado na metade do século
dezenove vem prenunciar a morte interdita: aqueles que cercavam o moribundo
tendiam a poupá-lo das informações acerca do seu estado grave e irreversível –
o que antes não acontecia. Estabelece-se o fenômeno do “Pacto do Silêncio” –
pois, diante da morte iminente, todos (família, equipe médica) preferem o
silêncio, evitando-se dar as notícias difíceis para o moribundo, privando-o de
elaborar a própria situação. A primeira desculpa para a mentira era impedir que
o moribundo assumisse a sua provação de sujeito morrente. Àries (2003) ainda esclarece que essa “desculpa” tem
causas conhecidas: a crescente intolerância com presença e com as marcas a
morte; a evitação de sentimentos e emoções fortes, causados pela emoção e pela
perturbação, insuportável, produzida pela “fealdade da agonia” e pela “simples
presença da morte em plena vida feliz”, pois, a partir de então, “admite-se que
a vida é sempre feliz, ou deve sempre aparentá-lo”.
Há ainda outro fenômeno
que deve ser destacado no processo de interdição da morte: o deslocamento da
morte da residência para o hospital. Já não se morre em casa, em meio aos seus,
mas no hospital, sozinho. A morte em casa, na Idade Média, significava uma
morte ritualística presidida pelo próprio doente em meio à assembleia de seus
parentes e amigos. Não se pode afirmar que a morte era aceita com completa
resignação pelos vivos, mas que apenas era vivida na familiaridade doméstica,
com o moribundo no centro das decisões. Morria-se na presença das pessoas
amadas. E o que falar de hoje, quando a morte é escondida de todos, inclusive
das crianças! Citando Geoffrey Gorer (1975), Áries (2003) afirma que o tabu
sexual vigente até o século XX foi deslocado para o tabu da morte. Hoje em dia,
as crianças são precocemente informadas sobre a fisiologia do sexo, mas quando
alguém morre, vira “uma estrelinha no céu” ou se diz que esta pessoa “repousa
num belo jardim por entre as flores”. Para Gorer (apud. Àries, 2003) quanto
mais sexualmente liberal a sociedade tornou-se, mais o tabu deslocou-se para a
morte. E obviamente, inerente à interdição aparece a transgressão, expressa
pela erotização, pelo sadismo e pela violência. Para Àries (2003), a causa da
interdição do tema da morte é a obrigação de felicidade vigente em nossa
cultura. Assim, a morte deve ser apagada, não encontrando formas de expressão
em nossa sociedade. As pessoas não se consideram mortais e a morte passa a ser
uma decisão do médico e dos familiares. Passa a ser ilusoriamente controlável.
Torna-se algo da ordem do inominável e, portanto muito difícil de ser
psiquicamente representado e elaborado. Durante um processo que demorou
séculos, a morte transitou de domada para interdita, sendo roubada dos próprios
moribundos, que passaram de protagonistas a expectadores do desfecho de suas
próprias vidas, com perda real do exercício da cidadania e da autonomia.
Há muitos trabalhos que
falam sobre o “sequestro” da morte nos hospitais, que ocorre simultaneamente à
sua presença nas ruas, na mídia e nos instrumentos de comunicação instantânea.
Nesse sentido, autores consagrados afirmam que os tempos modernos esvaziaram o
sentido da morte, a tradição do ritual, provocando uma redução da abrangência
do sagrado e favorecendo um imenso sentimento de solidão nos pacientes
gravemente enfermos e nos seus familiares (Hennezel & Leloup, 2012).
Mais sensíveis a esta realidade,
alguns pioneiros, dedicando-se a reumanizar a morte, passaram a conferir-lhe
novo significado, bem como oferecendo terapêutica adequada ao processo de
morrer, observando-se os aspectos físicos, psicossociais e espirituais no
cuidado de pacientes e familiares. Os trabalhos de Kübler-Ross (2006) e de
Saunders (2004) são fundamentais nesse movimento de humanização do processo de
morrer, pois resgatam o significado de morte domada, humanizada, com a presença
de pessoas mais próximas ao doente e com intenso respeito pela pessoa adoecida.
A esse movimento denominou-se “Cuidados Paliativos”. Esses cuidados são
definidos, atualmente, pela Organização Mundial de Saúde, como uma:
Abordagem que aprimora a
qualidade de vida, dos pacientes e famílias que enfrentam problemas associados
com doenças ameaçadoras de vida, através da prevenção e alívio do sofrimento,
por meios de identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e
outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual.
Os cuidados paliativos
focam o cuidar com vistas à integralidade da atenção em saúde, mesmo que a cura
de uma doença potencialmente fatal já não seja mais possível. Assim, além do
controle efetivo e minucioso da dor e de outros sintomas estressores, há o
necessário cuidado com as dimensões psicológicas, espirituais e sociais dos
pacientes, bem como de seus familiares. O desenvolvimento dos programas de
cuidados paliativos, ao não prolongar o processo de morrer com medidas inúteis
de sobrevivência, proporciona o necessário espaço para as despedidas, com a
possibilidade de uma preparação para a separação e de um pensar na vida
daqueles que sobreviverão (Kovács, 1992). A morte não mudou, uma vez que
continuamos a morrer, mas o que mudou foi, antes de tudo, nossa forma de lidar
com o final da vida – já que os Cuidados Paliativos proporcionam a reumanização
do processo do morrer, ampliando as possibilidades e as qualidades do viver.
3.
Educação para a Morte
É possível uma Educação
Humanizada para a Morte? Nós “tentamos afastar-nos da morte, mas estamos diante
dela em nosso cotidiano pessoal e profissional”. Impossível escapar dela
(PAIVA, 2011)! Por isso, faz-se necessário pensar na educação para a morte, não
apenas para profissionais da saúde que lidem com pacientes fora de
possibilidades de cura, mas também para profissionais da educação e da
comunicação. Essa Educação Humanizada para a Morte envolve lidar com a morte
com a naturalidade necessária, sem transformá-la em algo banalizado, fazendo
compreender que é possível lidar com a finitude da vida e se valer dessa
perspectiva finita para viver integralmente. Gambini sugere que tenhamos a
morte como companheira. Esse autor informa, com respeito à sábia face da morte,
que admiti-la como companheira é:
O maior propulsor do
processo de individuação. [...] Quem conversa com a morte aceita a ideia e a
realidade da finitude: a finitude é beleza, a efemeridade é sublime; quanto
mais finita, mas bela a vida e mais preciso o momento presente. [...] A morte
como companheira deve ser acolhida e de forma alguma evitada, porque é
precisamente ela e mais ninguém quem nos ensina de fato a viver. [...]
Paradoxalmente, a imagem do término absoluto da vida terrena é que nos habilita
a viver a vida em sua possível plenitude. (Gambini, 2005, pp. 135 – 136).
A Educação para a Morte,
portanto, deve se empenhar em produzir uma observação sobre o lado sábio da
morte, fazendo compreender a sua naturalidade, universalidade e
irreversibilidade, assim como promover atitudes de responsabilização, cuidado e
acolhimento, aprimorando os recursos psicossociais de profissionais que lidam
com a presença da morte em suas atividades profissionais, instrumentalizando-os
para uma abordagem efetiva e digna diante das demandas existentes nos mais
variados contextos. Também é um poderoso recurso de educação da população,
através de mudanças profundas dos paradigmas de cuidado em saúde, mas também,
sobretudo, de um olhar diverso para a experiência do viver humana. A educação
humanizada para a morte deve preencher uma lacuna na formação de tantos quantos
lidam com a morte em suas profissões, promovendo uma melhor abordagem técnica e
dando suporte emocional para uma intervenção responsável e eticamente viável
diante do sofrimento e das perdas que são experimentadas, nas mais diversas
circunstâncias em que a morte se insinua. Por fim, essa educação deve suscitar
um amplo debate sobre o lugar da morte na vida contemporânea, favorecendo uma
reflexão, entre os membros da sociedade, profissionais da saúde, comunicação e
educação, sobre a Humanização da Morte, evitando-se os efeitos danosos da
banalização da morte ou de sua interdição.
4.
Acompanhamento integral aos moribundos
Hennezel & Leloup
(2012) refletem que acolher e acompanhar as dimensões de sofrimento de uma
pessoa que está no final da sua vida não é uma tarefa opcional ou facultativa,
mas uma tarefa fundamental que todas as pessoas podem e devem assumir pela simples
razão de que é uma tarefa humana, que todos irão, mais cedo ou mais tarde,
vivenciar, sejam ou não profissionais da saúde. Contudo, para assumir esta
tarefa, faz-se necessário reconhecer e ativar as redes de apoio e de suporte,
envolvendo os membros da comunidade, profissionais da saúde, educação e
comunicação, instituições de apoio, entre outros. O movimento de educação para
a morte deve sensibilizar a todos os membros da sociedade para as necessidades
das pessoas que vivem o desfecho de suas vidas, instrumentalizando-os para uma
abordagem responsável e ativa diante do sofrimento. Precisamos resgatar o
movimento de “ir ao encontro do outro”, tão profundamente “quanto for
possível”, de penetrar a intimidade dos seus valores e das suas preocupações,
sem tentar incutir nele os nossos próprios valores e crenças, mas permitir que
o outro encontre respostas e confira sentido às próprias experiências.
5.
Discussão
Questiona-se, aqui, a
influência da negação coletiva da morte, associada à supressão das emoções
fortes, decorrentes da tendência de ter como insuportável a presença da morte,
em nossa sociedade contemporânea, bem como a forte tendência dos meios de
comunicação em produzir o escancaramento das imagens de mortes horrendas e
violentas, sem a devida consideração pelos efeitos que provoca, pois, ainda que
não sejam devidamente mapeados e analisados, suspeita-se que tenham alguma
influência de ordem tanatológica na vida dos indivíduos. Sugere-se que há uma
relação entre os Pactos de Silêncio, além daqueles referentes aos moribundos, e
a negação da morte, uma vez que, não raro, eles também oferecem riscos à vida
de quem prefere silenciar, tais como nas situações de violência doméstica em
que a postura de silêncio é adotada pelo (a) violentado (a). Discute-se, ainda,
a tendência da sociedade de afastar os sinais e o rastro da morte da vida
cotidiana, como uma forma de evitar lidar com a angústia decorrente da presença
de doentes cronicamente adoecidos e, não raro, fora de possibilidades
curativas. Destaca-se a falta de uma Educação Humanizada para a Morte – tanto
na formação profissional de pessoas que lidam com o noticiamento de eventos
traumáticos, quanto na formação de profissionais de saúde e de educação, para
uma abordagem responsável e consciente diante da finitude humana.
6.
Conclusão
Constata-se que o mundo
contemporâneo denega a morte e, desse modo, priva-se de uma reflexão sobre a
questão do sentido e do sagrado, produzindo um sentimento de solidão e
silenciando diante dos temas relativos às perdas, à morte e ao luto. Como
podemos conferir sentido ao processo de morrer quando as palavras, os gestos,
os ritos e os procedimentos, nos quais outrora as pessoas encontravam apoio,
estão como que esvaziados de sentido? Diante da morte e das questões que ela
suscita, não estaremos quase sempre desarmados e profundamente angustiados? No
trato com os pacientes gravemente enfermos, dos quais a morte se avizinha, bem
como na lida com pessoas enlutadas pela perda de seus amores, somos testemunhas
do vazio espiritual, testemunhas que este vazio constantemente engendra, tanto
na pessoa, quanto nos seus familiares, um imenso sofrimento. Precisamos nos
questionar o que pode ser feito para a exploração de novas vias – onde o
sofrimento não seja insuportável, porque alguém se ocupa dele com o cuidado
humanitário que ele carece para ser preenchido de sentido e significado. O
desafio para o presente e para o futuro consiste em criar, na intimidade de um
mundo laico e quase sempre isento de reflexões sobre o sagrado e o sentido – e
que pretende permanecer como tal – um humanismo aberto em que a transcendência
e o sagrado encontrem lugar no âmago da pessoa, no mais profundo do humano (Hennezel
& Leloup, 2012).
Comunicar as notícias
difíceis às pessoas que estão nas fases finais da vida é um desafio de
comunicação que precisaremos reavaliar, com todos os membros da sociedade. Os
silêncios coletivos que nos valemos para calar e evitar referir os problemas
associados à finitude da vida encontra ressonância nos programas televisivos,
nos mecanismos de comunicação instantânea e nos diálogos da vida comum. Criar
intimidade com os temas do fim da vida, sem morbidez ou banalização, significa
abrir espaço para o processo de humanização dos sujeitos com respeito aos temas
das perdas, da morte e do luto, conferindo um novo nível de maturidade à
maneira como comunicamos as notícias difíceis, nos mais variados contextos,
trazendo à tona a possibilidade de uma ampla discussão sobre os modos de viver
e de morrer, concorrendo para os debates sobre as questões da dignidade da
vida, inclusive no seu final.
7.
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