Sobre o Luto


A perda é definitiva; o luto, não. Vínculos permanecem, independentemente do desaparecimento ou da ausência de uma pessoa significativa. Por isso, pode-se dizer que o luto, enquanto processo, tem início, meio e final. Já a saudade, decorrente da perda definitiva, é para sempre.
Diferentes laços afetivos são rompidos no decorrer da existência: um divórcio, a perda do emprego, a mudança da cidade, a saúde comprometida e a morte de um ente querido. Toda perda pressupõe um luto, ou seja, um trabalho de reaprendizado, um tempo absolutamente individual de adaptação à nova realidade, de elaboração e reorganização psíquica.
Por vezes, alguma forma de ajuda extra será necessária. Você poderá obter informação especializada, poderá procurar ajuda profissional ou procurar viver com seu luto com dignidade e coerência íntima. Nem todas as pessoas precisarão de ajuda adicional, além daquela oferecida pela família ou pelos amigos, mas para os que precisarem é importante que recebam uma forma de ajuda que reconheça a difícil mudança que terão de realizar.

Compreendendo o processo do luto

Todas as pessoas vivem e planejam suas ações no mundo com base no que acreditam que o mundo seja e, assim, constroem internamente um modelo de mundo. Segundo Parkes (2009), nesse modelo interno estão as concepções sobre nós mesmos e sobre os nossos pais, bem como a nossa capacidade de lidar com o perigo, a proteção que esperamos dos outros e o nosso senso de propósito e de significado diante da existência. Esse modelo interno foi denominado por Parkes (2009) como “Mundo Presumido”, que é considerado pelo autor como sendo a parte mais valiosa de nosso equipamento mental, sem a qual nos sentimos perdidos, pois construímos o mundo à nossa volta para sentirmos confiança e segurança. O mundo presumido contém (a) suposições sobre objetos, (b) planejamentos internos de como reagir a esses objetos, (c) concepção sobre os nossos pais, (d) concepção sobre nós mesmos, (e) habilidades para lidar com situações limites, (f) a proteção que esperamos dos outros (a política, o sistema penal, as leis, a instituição hospitalar, a segurança dos mais velhos) e (g) todos os pensamentos que compõem o nosso senso de significado. Parkes (2009), autor do conceito, resume satisfatoriamente: “Tudo o que consideramos garantido faz parte do nosso mundo presumido”.
Nessa perspectiva, a construção do Mundo Presumido se verifica por meio do Modelo Operativo Interno (Parkes, 1998), no qual “está inserida a imagem representacional interna que o indivíduo tem de si e de suas capacidades, juntamente com a imagem que tem do outro e de sua expectativa em relação a ele”. Quando nascemos, somos completamente indefesos e dependentes, sem recursos para sobrevivermos sem os cuidados de um adulto. Dependemos de alguém para suprir as nossas necessidades mais básicas. É nesta relação dos primeiros cuidados que moldamos o nosso contato com o outro e estabelecemos vínculos com a figura de apego. De acordo com Bowlby (1993), apego é definido como o “instinto de formar laços relacionais com outros, desenvolvendo estratégias a fim de manter a proximidade desta figura de apego diante de situações de estresse, doença e medo”, proporcionando uma forma de segurança que “possibilita a exploração do mundo”. Os modelos operativos internos de apego ajudam as pessoas a manterem uma visão consistente de si mesmas e dos outros. São esses modelos que permitem que as crianças estejam em estado de alerta quando suas figuras de apego estão ausentes e de reconhecerem quando essas mesmas figuras retornam. A Teoria do Apego, proposta inicialmente por John Bowlby, busca explicar os liames existentes entre as crianças e os seus respectivos cuidadores, com ênfase na relação maternal e na qualidade dessa relação, assim como os efeitos tardios da privação dessa relação. No entanto, Bowlby (2004) acreditava que “o apego era importante e essencial ao longo de todo o ciclo vital, e não apenas na infância”. Assim sendo, pode-se considerar que os relacionamentos de apego continuam funcionando como um papel de grande importância na vida adulta. Os padrões de segurança de apego foram objeto de muitas pesquisas significativas. Consideram-se, no presente estudo, os seguintes estilos de apego, resumidamente: (a) apego seguro: modelo operativo interno positivo de si e do outro, com boa autoestima e visão dos demais como predominantemente responsivos, sem contar a valorização de relacionamentos que envolvem a intimidade e a mútua confiança; (b) apego ansioso-ambivalente: modelo operativo interno negativo de si e positivo do outro, com a crença persistente de que para obter segurança, aceitação e validação dos demais é necessário corresponder às suas expectativas, compreendendo o desejo da busca da autonomia e da individualidade por parte do outro como rejeição e abandono; (c) apego evitativo-rejeitador: modelo operativo interno positivo de si e negativo do outro, com elevada autoestima não realista, sem contar a crença inata de autossuficiência, buscando uma autoimagem idealizada, de perfeição, negando sua fragilidade e dependência, com evitação de relacionamentos íntimos por não confiar nos demais, negando, inclusive, a existência de conflitos e a necessidade de ajuda; (d) apego evitativo-temeroso: apresenta modelo operativo interno negativo de si e do outro, com evitação de relacionamentos íntimos para se afastar da dor da perda e da rejeição, destacando-se, também, por ser extremamente dependente da aceitação do outro (Parkes, 2009).
A compreensão de tais estilos ou níveis de segurança de apego contribui para uma nova visão em relação ao mundo, permitindo aos pesquisadores e estudiosos uma maior liberdade para a compreensão do indivíduo em suas diversas características e manifestações diante da perda, da morte e do luto. Segundo Parkes (2009), o padrão de apego seguro pode proteger as pessoas dos efeitos de um estresse muito intenso. Pessoas que possuem um nível de apego seguro tendem a interpretar as situações de estresse como menos ameaçadoras, pois apresentam um repertório de estratégias internas para lidar com a situação. Além disso, contam com uma rede de apoio disponível e na qual podem acreditar – compreendendo a necessidade de procurar ajuda, nos momentos em que essa ajuda faz-se essencial. Por outro lado, as pessoas com níveis inseguros de apego tendem a ser mais vulneráveis às situações adversas, percebendo-se como incapazes de lidar com as dificuldades, apresentando poucas estratégias para a resolução ou para o encaminhamento do desafio e, embora reconheçam a ajuda de que poderiam dispor se elas acionassem alguém de sua rede de apoio social, não apresentam disposição para fazê-lo. Destaca-se que o nível ou padrão de apego, seja de um adulto ou de uma criança, pode sofrer alterações de acordo com as circunstâncias e a figura de apego. Ou seja, um padrão de apego inseguro pode se modificar para seguro a partir de um relacionamento com uma figura de apego responsiva e sensível às necessidades; do mesmo modo, uma pessoa com um apego seguro pode, sim, ter uma modificação negativa frente a um evento traumatizante ou de intensa desestabilização. O acontecimento da morte de alguém muito querido provoca mudanças – sobretudo naquelas mortes consideradas inesperadas – podendo alterar nosso padrão de apego e desafiar o nosso mundo presumido, minando o nosso sentimento de segurança e ameaçando as concepções mais profundas, complexas e estruturais da nossa visão interna de mundo. Com a quebra do mundo presumido, “agoniza também o mito da imperturbável segurança, dando vazão aos conflitos relativos à imprevisibilidade da vida, às previsões do futuro e ao controle dos acontecimentos” (Parkes, 2009).
É sabido que não há nenhuma teoria que “consiga abranger todas as consequências do luto por morte”, muito menos “das outras perdas que sofremos” (Parkes: 2009). Com o objetivo de analisar as semelhanças e as diferenças entre as reações às perdas por morte e as outras formas de perdas que o ser humano atravessa durante a existência, Parkes (2009) iniciou um estudo sistemático acerca de dois tipos de perdas que as pessoas experimentam: a perda de um membro por amputação e a perda de uma pessoa amada, encontrando, por sua vez, “semelhanças fortíssimas na reação” (ibidem), entre elas: o choque e a negação. Segundo Parkes, as pessoas amputadas “estavam preocupadas, buscavam o que haviam perdido” e, mais surpreendentemente, tinham “uma forte sensação da presença do membro perdido”. Em suma: muitas pessoas amputadas, à semelhança das pessoas enlutadas, tinham dificuldade em acreditar no que havia acontecido. Embora concordemos com Parkes com relação às semelhanças das reações, não podemos deixar de pensar na diferença fundamental que deve ser estabelecida por toda pessoa sensata: ninguém sente o mesmo amor por sua perna amputada e por sua esposa falecida. Assim, muito embora as reações sejam semelhantes, não se pode dizer que sejam idênticas, porque os “dois tipos de apego são diferentes” (Parkes, 2009). Nessa seção, apresentamos os fundamentos do nosso arsenal teórico – que favorecem uma compreensão mais precisa acerca do difícil processo que os indivíduos que perderam um objeto ou uma pessoa significativa vivenciam.
Afirma Parkes (2009), elucidativamente:
A pessoa amputada que pula da cama de manhã para subitamente se ver esparramada no chão está operando com um modelo obsoleto. Da mesma maneira faz a viúva que coloca dois lugares à mesa, que estende a mão procurando pelo marido na cama à noite ou fala de si para si: “Preciso perguntar ao meu marido o que ele acha sobre isso”; por causa do hábito, ela continua a viver em um mundo presumido que não existe mais.
Todos os acontecimentos que provocam mudanças significativas na existência das pessoas, sobretudo os inesperados, “desafiam nosso mundo presumido e provocam uma crise durante a qual podemos ficar inquietos, tensos, ansiosos e indecisos” até que as mudanças necessárias sejam feitas. Portanto, aquilo que denominamos “elaboração do luto” pode ser visto como um processo necessário de transição psicossocial, onde o mundo presumido precisa ser modificado por se encontrar obsoleto (Parkes, 2009).
Princípios dos cuidados terapêuticos associados às pessoas enlutadas (Worden, 2013)
Princípio 1: ajudar o indivíduo a efetivar a perda.
Quando alguém perde uma pessoa significativa, mesmo que tenha havido algum aviso anterior acerca da morte, sempre existe certo senso de que isto não aconteceu realmente. Dessa forma, a primeira tarefa do luto é chegar à consciência mais completa de que a perda realmente ocorreu, que a pessoa está morta e não voltará. De um modo geral, falar sobre a perda ajuda as pessoas a efetivarem a perda e sua imutabilidade. Muitas pessoas precisam passar e repassar esses acontecimentos em suas mentes, revisando os acontecimentos várias vezes, antes que possam alcançar a total consciência que isso de fato aconteceu. Muitas vezes é preciso verbalizar, dizer frases concretas, do tipo ”Permita-se sofrer: Seu filho morreu. É permitido chorar”, “Chorar não vai fazer seu filho ficar triste nem atrapalhar o caminho dele”, “Expresse a sua dor abertamente”, “Quando você compartilha seu sofrimento fora de si mesmo, a cura ocorre. Ignorar a sua dor não irá fazê-la ir embora e falar sobre isso pode fazer você se sentir melhor”, “Permita-se falar de seu coração, e não apenas de sua cabeça. Isso não significa que você está perdendo o controle ou vai ficar “louca” e sim uma fase normal do processo de luto”, “Fale com seus outros filhos sobre a morte do irmão e, se tiver vontade, chore com eles”. O conselheiro pode ser um ouvinte paciente e pode continuar encorajando a pessoa a falar sobre a sua perda. Em muitas famílias, quando a viúva, por exemplo, começa a falar sobre a sua perda, a resposta é: “Não me conte o que aconteceu. Eu sei disso tudo. Por que você está me torturando ao falar sobre isso?” Os membros dessas famílias não percebem que, ao falar sobre os acontecimentos, essa viúva está se movendo a uma etapa importante e a uma tarefa fundamental para a elaboração do luto: a efetivação de que a morte realmente ocorreu.
Princípio 2: ajudar o indivíduo a identificar e vivenciar sentimentos
Muitas pessoas procuram ajuda no processo do luto porque querem ajuda imediata para se livrarem dos seus sofrimentos. Em razão da dor e do desconforto que causam, muitos sentimentos podem não ser reconhecidos pelo indivíduo ou não ser sentidos no grau que é necessário para que a solução efetiva seja alcançada. Muitas pessoas procuram um comprimido para aliviar a dor ou suprimi-la. Ajudá-los a aceitar e trabalhar para atravessar a dor é a principal parte da nossa intervenção. Alguns sentimentos que são mais problemáticos para os indivíduos são raiva, culpa, ansiedade, desamparo e solidão.
a) Raiva
Quando alguém que você ama morre, é comum sentir raiva. Supomos que a raiva provenha de duas fontes: da frustração e da sensação de desamparo. Independente da origem, é verdadeiro que muitas pessoas vivencial raiva intensa, mas nem sempre sentem essa raiva como sendo direcionada para o falecido. Essa raiva é real e deve ir para algum lugar, de forma que se não for direcionada ao falecido (o alvo real), ela pode ser desviada para outras pessoas, tais como ao médico, à equipe do hospital, ao organizador do funeral, ao religioso ou a um membro da família. Algumas pessoas não admitem seus sentimentos de raiva se nós interrogarmos diretamente sobre ela. Além disso, muitas pessoas aderem, sem estar conscientes disso, ao preceito cultural de não falar mal do morto. Muitas vezes, perguntaremos: “Em que você sente falta dele?” e a pessoa responderá com uma lista que, quase sempre, provocará muitas lágrimas. Em seguida, pode-se perguntar: “E o que você não vai sentir falta dele?”. Quase sempre, há uma pausa e um olhar surpreso. A pessoa poderá dizer algo como: “Não sinto falta dos seus atrasos, da sua falta de cuidado com nossos anfitriões e das suas bebedeiras”. Dessa forma, a pessoa pode reconhecer alguns dos seus sentimentos mais negativos. É importante não deixar o paciente apenas com esses sentimentos negativos, mas ajudá-lo a encontrar um melhor equilíbrio entre os sentimentos mais negativos e os positivos. Em algumas situações, tudo o que a pessoa tem são seus sentimentos negativos, e será importante investir na construção de algum sentimento mais positivo. O conselheiro atua em papel ativo na realização disso. É importante que o enlutado perceba que os sentimentos negativos não anulam os positivos, e vice-versa.
b) Culpa
Existem muitas coisas que podem levar o enlutado a sentir culpa depois de uma morte especial. Os familiares podem sentir culpa por não ter oferecido cuidados médicos melhores, porque não deveriam ter permitido uma cirurgia, por não terem consultado um médico antes ou porque não escolheram um hospital certo. Pais, cujos filhos morrem cedo, são altamente vulneráveis ao sentimento de culpa, os quais estão focados no fato de que não conseguiram estancar a dor da criança, evitar que ela definhasse ou impedir a sua morte. Alguns se sentem culpados por não acreditarem que estão vivenciando a quantidade adequada de tristeza. Independente das razões, a maior parte dessa culpa é irracional e se centra em torno das circunstâncias da morte. O conselheiro pode ajudar nessas circunstâncias. Muitas pessoas costumam dizer: “Não fiz isso”, “Não fiz o suficiente”. Pode-se perguntar, com tato e calma: “O que você fez?”, e a pessoa responderá: “Fiz tal coisa”. E então diremos: “O que mais você fez?”, ao que responderá: “Bem, eu fiz isso”. “O que mais” – perguntaremos. “Bem, eu fiz aquilo” – dirá a pessoa. E então, mais coisas ocorrerão à pessoa, e ela dirá: “Eu fiz isso, isso e aquilo.” Depois de um tempo, a pessoa chegará à conclusão: “Talvez eu tenha feito tudo o que eu podia naquelas circunstâncias”.
Entretanto, existe a culpa pela responsabilidade real, e esta última e muito difícil de ser trabalhada. Em tais casos, abordagens variadas precisam ocorrer. Técnicas de psicodrama ou teatro do oprimido podem ajudar muito. A pessoa pode escolher diferentes membros do grupo para representar cada membro da sua família, inclusive ela mesma. Ela pode conversar com cada pessoa como se fosse um membro da sua família, confessando seu sentimento de culpa e, por outro lado, ouvindo a resposta de cada participante no drama.
c) Tristeza
Em algumas ocasiões, a tristeza e o choro precisam ser encorajados pelo conselheiro. Quase sempre as pessoas evitam chorar na frente de amigos com medo de perder a amizade e terem de tolerar outra perda. Alguns reprimem suas lágrimas com medo das críticas que eles supõem receber. Ouvimos, certa vez: “Já faz um ano. Ela precisa abandonar essa autopiedade e essa tristeza, pois o tempo do processo do luto já terminou.” É desnecessário dizer que isso não ajudou com sua tristeza, nem lhe trouxe o apoio que necessitava.
É importante destacar que a expressão veemente das emoções não é o foco. A vivência deve ser o foco da tarefa, e não apenas a expressão dos sentimentos. O foco é essencial. A tristeza deve ser acompanhada com a consciência do que o indivíduo perdeu, a culpa precisa ser avaliada e resolvida, a raiva precisa ser direcionada adequadamente e a ansiedade precisa ser identificada e manejada.
d) Ansiedade e Desamparo
As pessoas enlutadas podem se sentir muito amedrontadas e ansiosas. Grande parte dessa ansiedade origina-se de sentimentos de desamparo, sentimento de que elas não vão conseguir por si mesmas ou sobreviver sozinhas. O papel do conselheiro é ajudá-las a reconhecer os meios que elas usavam para se conduzirem, por si próprias, antes da perda, e isto ajudará a lidar com esses sentimentos. Uma segunda fonte de ansiedade é a consciência de sua própria mortalidade. Essa consciência não é a da morte de todos os seres vivos, de um ponto de vista genérico, nem da morte de outra pessoa, mas do próprio enlutado. Isso é algo que todos nós temos e que reside no fundo do nosso mundo consciente. De tempos em tempos, isso vem à tona, como em situações de emergências ou crises.
O conselheiro pode seguir vários caminhos. Para alguns, é melhor não abordar a questão diretamente, ms deixá-lo ir a assumir que a consciência da morte diminuirá e desaparecerá. Com outros, é útil abordar a questão diretamente, e fazê-los falar sobre seus medos e apreensões. Articular e elaborar essas questões pode dar ao paciente enlutado uma sensação de alívio, à medida que eles descarregam suas preocupações e exploram opções.
Princípio 3: ajudar a viver sem a pessoa falecida
Este princípio envolve ajudar as pessoas a adaptar-se a uma perda, facilitando sua habilidade de viver sem o falecido e tomar decisões independentes. Para fazer isso, o conselheiro pode usar uma técnica de resolução de problemas. O principal questionamento é: “Qual os problemas a pessoa enfrenta e como podem ser resolvidos?” O falecido ocupava diversos papéis na vida de quem sobreviveu e a habilidade de ajustar-se à perda é, em parte, ajustada por vários papéis. Quando alguém que organizava o lar e o gerenciamento das contas, por exemplo, morre, será importante ajudar os parentes sobreviventes a adquirirem suas habilidades para a tomada de decisões de forma independente. Pessoas enlutadas devem respeitar seu próprio ritmo na adaptação à morte de alguém muito querido e um bom conselheiro pode lembrá-las que elas serão totalmente capazes de tomar decisões e realizá-las quando estiverem prontas e que não devem tomar tais decisões apenas para reduzir o sofrimento.
Princípio 4: ajudar a construir um sentido para a perda
Acreditar que a morte de alguém não foi em vão e construir um sentido para ela é parte importante do processo de luto. Conselheiros podem ser facilitadores desse processo. Construir um sentido, a partir da perda, envolve lutar não somente com a questão do porquê isso aconteceu comigo, mas também para que isso aconteceu comigo? Como estou diferente em virtude dessa perda? Algumas perdas desafiam a noção da pessoa acerca de si mesma, ao desafiar a noção de que ela é merecedora. A perda da autoestima anda de mãos dadas com a perda da autoeficácia e a melhor intervenção, nesses casos, é ajudar a pessoa a restabelecer uma consciência aumentada das áreas em que ela tenta exercer controle e é bem sucedida.
Princípio 5: facilitar a recolocação emocional da pessoa morta
Ao facilitar a recolocação emocional da pessoa morta, o conselheiro ajuda a pessoa enlutada a encontrar um novo lugar em sua vida para o ente querido perdido, um lugar que permitirá à pessoa seguir em frente com sua vida e construa novos relacionamentos. Relembrar é um modo de gradualmente desinvestir a energia emocional ligada ao falecido. O conselheiro também pode ajudar a pessoa a investir seu amor e seus afetos em novos planos e novos relacionamentos. Claro que ninguém e nada poderá preencher o lugar da pessoa perdida, porém o conselheiro pode ajudar a pessoa a perceber que, embora a pessoa não possa ser substituída, é correto preencher o vazio com novas perspectivas, planos ou relacionamentos.
Princípio 6: dar tempo ao luto
O enlutamento requer tempo. É o processo de ajustamento a um mundo sem o falecido e esse processo é gradual. Impedimento a esse processo pode surgir se os membros da família ficam ansiosos para superar a perda e sua dor e voltar à rotina normal. Muitos familiares não percebem que leva tempo até que a perda e suas ramificações se acomodem. Um momento crítico é o primeiro aniversário de morte. Todos os tipos de pensamentos e sentimentos vêm à tona durante esse período e, frequentemente, a pessoa precisa de apoio extra.
Princípio 7: interpretar o comportamento “normal”
O sétimo princípio é entender e interpretar comportamentos normais de luto. Após uma perda significativa, muitas pessoas têm a sensação de que estão ficando loucas. Isso pode ser incrementado porque elas ficam atordoadas e vivenciando coisas que normalmente não são parte das suas vidas. É importante que o conselheiro dê garantias de que muitos sentimentos ambivalentes e essa sensação de “montanha russa” é normal e que tende a passar com o tempo e com o trabalho de elaboração. E se o conselheiro entende, por exemplo, que alucinações, inquietação elevada e preocupação com o falecido são comportamentos normais, assim a pessoa deve ser apoiada por um conselheiro.
Princípio 8: permitir diferenças individuais
O luto é um processo com uma variabilidade pessoal imensa, sobretudo com respeito ao grau de prejuízo e na extensão do tempo que a pessoa vivencia o efeito doloroso da perda. Contudo, às vezes é difícil para os membros da família compreenderem, sobretudo quando um único membro está tendo reações diferentes dos demais. Os conselheiros podem ajudar a interpretar essa diferença individual para a família, que espera que todos passem pelo luto do mesmo modo.
Princípio 9: examinar estilos de defesa e enfrentamento
Depois que se desenvolve confiança entre cliente e conselheiro, os clientes estarão mais dispostos a discutir seus comportamentos. Alguns desses estilos de defesa e enfrentamento dão indícios de comportamento competente; outros não. Por exemplo, uma pessoa que lida com a situação usando álcool ou drogas excessivamente, talvez não esteja se ajustando de forma adequada à perda. O conselheiro precisa ficar atento a isso e investigar se há uso e/ou abuso de álcool e outras drogas. O uso abusivo de álcool e outras drogas pode intensificar a experiência de luto e depressão e prejudicar o processo de enlutamento. Se um problema existe ou há suspeita de que exista, é importante que o Conselheiro busque ajuda especializada ou envolva outros grupos de apoio, tais como Alcoólicos Anônimos ou Narcóticos Anônimos. O enfrentamento emocional ativo tende a ser a forma mais eficaz de lidar com os problemas, incluindo os problemas do enlutamento. Abrange o uso do humor, a habilidade para reestruturar ou redefinir situação difícil e habilidade de aceitar suporte emocional. Distração, negação, isolamento e abuso de substâncias podem fazer a pessoa se sentir melhor por curto período de tempo, mas estas não são estratégias eficazes para a resolução de problemas. Alguém que se esquiva a olhar as fotos do falecido ou que guarda tudo o que possa lembrá-lo pode estar adotando um estilo de enfrentamento que não é saudável. O conselheiro, juntamente com a pessoa enlutada, pode explorar outras vias possíveis de um enfrentamento que podem ser mais eficazes para reduzir a angústia e resolver problemas.
Princípio 10: identificar problemas e encaminhar
O décimo e último princípio nessa lista é identificar pessoas que estão com sérias dificuldades e saber quando encaminhá-las para especialistas. O exemplo do uso abusivo de drogas é útil porque pessoas enlutadas podem desencadear outros problemas, a longo prazo. Evidente que precisarão de ajuda extra. Para algumas pessoas, o aconselhamento no luto não é suficiente, e a perda (ou a forma como elas estão lidando com a perda), pode dar origem a problemas complexos de mais difícil resolução, carecendo de terapia especializada que dê conta de determinado problema específico. Pequena parcela (10% a 15%) de pessoas enlutadas continuará a se debater e desenvolverá algum tipo de luto complicado, tal como reações crônicas ou prolongadas de luto. Nesse caso, sugerimos que o conselheiro assuma um papel de guardião e que, ao encaminhar o paciente, construa uma via de continuidade do cuidado, mesmo que seja por telefone ou e-mail e que, de tempos em tempos, marque um encontro com a pessoa para saber como ela está e se precisa de algum outro tipo de ajuda, sobretudo em épocas potencialmente difíceis: três meses de falecimento, aniversários, datas comemorativas, assim como os dois primeiros anos de falecimento.
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