quarta-feira, 19 de junho de 2013

Educação para a Morte: desafios e reflexões



// Por Rodrigo Luz & Adriana Thomaz //

“Como a nossa sociedade atual cala o luto, cabe aos profissionais engajados no processo de reumanização da morte abrir espaço para a expressão da dor e do sofrimento, numa atmosfera acolhedora, não compactuando com o silenciamento e o abafamento trazidos por uma sociedade que fala sobre ser forte, discreto e não incomodar. Um ouvido disponível tem melhor efeito do que calmantes.”
Maria Júlia Kovács

1. Introdução

Os maiores mistérios que assolam o ser humano se referem às suas origens, à sua função no mundo e à sua finidade. Para tentar compreender e explicar isso, a humanidade vem buscando articular os variados conhecimentos filosóficos, empíricos, religiosos e científicos. Dentre os mistérios mais impactantes, a morte é o mais aterrorizante, justamente porque implica no desaparecimento e na aniquilação do ser. O terror de “tornar-se não existente, pelo menos como forma de vida conhecida, persegue todos os seres humanos” (Cassorla, 2009).
Mas, afinal, “por que e para que falar de um tema que pode ser tão triste, que traz e nos remete a tanto sofrimento” (Paiva, 2011)? Por ter em si tanta dor, angústia e ansiedade, o tema da morte é, geralmente, temido e negado. Até mesmo nas áreas das ciências da saúde e da vida ainda resta muito a fazer para que haja intimidade, entre os profissionais, com os temas e os dilemas relacionados ao fim da vida.
O que é certo é que não é a morte, mas o conhecimento da morte que cria problemas para os seres humanos (Elias, 2001). Talvez seja por isso que nós erguemos defesas – muitas delas baseadas na negação – para nos ajudar a esquecer do fim inevitável. Dada a centralidade da morte em nossa vida, uma vez que a vida e a morte são dois fenômenos comuns a toda a espécie humana, como ignorá-la? Desde os períodos mais recuados da humanidade, o homem registra o seu medo diante do padecimento e da morte, além de registrar, em seguida, que precisa descobrir uma forma de viver – apesar do padecimento e da morte. A ideia do nada após a morte o aterroriza (Yalom, 2008).
Em pleno século XX, a morte havia se tornado objeto de interdição, caracterizando-se como a “morte interdita”. Fenômeno complexo, a “morte interdita” pode ser relacionada, em parte, ao hospitalocentrismo, quando o hospital tornou-se o reduto de pacientes em fim de vida, como fuga social para se evitar a angústia de se enfrentar as realidades das doenças fatais e da finitude da vida. Assim, os moribundos foram “retirados do convívio social” e enviados para os hospitais, onde, supostamente, seus sofrimentos poderiam ser minimizados e suas dores seriam diminuídas. Com o “desenvolvimento do aparato técnico-científico”, o “aumento da despersonalização”, o “fascínio com os resultados adquiridos no último século” e com o “crescimento das condutas pautadas por contratos, protocolos e índices estatísticos”, houve uma perda do exercício carismático do cuidado, da mão que afaga e da presença que consola. Não desconhecemos a importância da tecnologia disponível para os tratamentos médicos; a questão não é impor limites para a tecnologia, mas discuti-los (Pessini, 2001; Caponero, 2006).
Outra questão relacionada à interdição da morte é que a autonomia e a dignidade do paciente gravemente enfermo e, não raro, nas fases finais da vida, muitas vezes não são levadas em conta, em virtude da lacuna existente na formação de profissionais da saúde, que se encontram, absurdamente, despreparados para acompanhar as pessoas que se encontram nas fases terminais da existência e os seus respectivos familiares (Hennezel & Leloup, 2012). No século XX há, ainda, a supressão do luto, escondendo-se a manifestação ou até mesmo a vivência da dor, uma vez que a sociedade não suporta enfrentar os sinais da morte (Kovács, 1992).
Por outro lado, a morte esteve e continua presente, fenômeno que pode ser caracterizado como uma espécie de “morte escancarada” (Kovács, 2009). Através das transmissões dos programas televisivos e dos diversos meios de comunicação instantânea, a morte tornou-se companheira diária de crianças, adultos e idosos, caracterizando-se como invasora e sem limites. A morte interdita e a morte escancarada coexistem “porque o escancaramento da morte não permite espaço para a sua elaboração, devido à rapidez da sua propagação, somando-se a todas as distorções percebidas nos meios de comunicação” (Kovács, 2009). Ou seja: apesar de a morte ser escancarada, através dos meios de comunicação, são poucos os indivíduos que falam sobre ela, pois a consideram um evento que nunca pode acontecer com eles – o que dificulta a sua elaboração. É apenas algo distante – pensam alguns – que não vai acontecer comigo.
A reflexão sobre a morte, a outra face do nascimento, deveria fazer parte dos nossos programas educacionais, desde o início de uma jornada escolar que se pretenda saudável e consciente (Hennezel & Leloup, 2012).
A escola não corresponde, apenas, a um lugar de aprendizagem acadêmica para a criança, mas um centro cultural de intercâmbio social para o desenvolvimento integral; não é apenas um lugar de provas, testes e desafios, mas também de apoio (Torres, 1999).
É nesse espaço, também, que haverá as experiências de formação e de rompimento de vínculos ao longo da convivência com professores, colegas de classe, funcionários, etc. Ora, partindo desse princípio, não deveria a escola “proporcionar um espaço para a reflexão de todos os aspectos constitutivos da vida e da morte, inclusive” (Paiva, 2011)? Não nos deteremos demoradamente na questão da morte na infância e do lugar da educação para a morte na escola, o que seria fugir do objeto do presente trabalho, mas remeteremos o leitor a estudos significativos que produzem excelentes reflexões a este respeito, nas referências bibliográficas.
A morte faz parte do desenvolvimento humano. De acordo com Kovács (2008), cada fase do desenvolvimento pode ser identificada por particularidades que a caracterizam, agregando-se a dimensão histórico-cultural. Na adolescência, o desenvolvimento rápido do corpo, o desenvolvimento da sexualidade e as experiências amorosas geralmente produzem um aumento da sensação de invulnerabilidade que se relaciona a uma cultura ocidental “onipotente”, que estimula uma crença de imortalidade tão presente e influente na vida dos jovens. Não raro, os jovens buscam novas experiências, algumas delas com risco para a vida. É como se a morte não existisse, uma sensação total de controle da vida e com todos os requintes de onipotência. Poderia ser esta uma hipótese para o aumento de mortes por acidentes na adolescência (Kovács, 1992; Kovács, 2003)?
O tema da morte é visto como tabu, é ocultado e raramente tratado nas relações do cotidiano, mas a sua comunicação é necessária para o enfrentamento das perdas. Porém, observa-se uma falta de preparo para fazê-lo.
Como objetivo, este projeto se preocupou em abordar aspectos de grande importância para facilitar a discussão sobre o tema da morte – hoje, atualmente, interdito e banido das comunicações entre as pessoas. Observa-se, contudo, paradoxalmente, que a TV introduz, em muitos lares, todos os dias, cenas de morte, violência, acidentes e doenças, e estas são presenciadas por jovens e crianças, sem a mínima possibilidade de elaboração, visto que esses meios de comunicação possuem um ritmo altamente acelerado (Kovács, 2003). Embora esses eventos sejam tão correntes, os jovens são “poupados” pelos adultos dos comentários e das discussões, pois isto poderia “entristecê-los” ou “traumatizá-los”... Daí surge o fenômeno denominado “conspiração do silêncio”, onde “aquele que quer falar cala-se por concluir que não há quem se disponha a ouvi-lo” (Araújo, 2006).
Kovács (2003) exemplifica a morte escancarada em duas situações: a morte violenta das ruas, os acidentes e os homicídios; a morte veiculada nos órgãos de comunicação, mais especificamente pela TV. A morte violenta nas ruas está aumentando significativamente, com altos índices de homicídios e de acidentes que envolvem, sobremaneira, os jovens. É escancarada, sim, “porque ocorre na frente de qualquer pessoa, sem máscaras ou anteparos” (Kovács, 2003). Todos a veem, inclusive as crianças. Geralmente, é muito violenta, como as chacinas e os latrocínios. Essa qualidade de ser escancarada não permite proteção, não há espaço para previsibilidade, e torna a todos vulneráveis. Nesta maneira de estar com a morte, “não há humanidade, mas apenas sensação de vulnerabilidade e de vida sem valor, sem sentido” (Kovács, 2003). Entre as modalidades de mortes escancaradas, encontram-se as tragédias naturais, as guerras, os sequestros seguidos de homicídio, entre outras. A morte veiculada nos órgãos de comunicação está nos noticiários, nos programas de auditório, nas novelas, nos filmes e nos desenhos animados. É a morte que invade os lares e as instituições a qualquer hora, sendo assistida por todos. O que a torna escancarada são as cenas chocantes, mostradas e repetidas à exaustão, sem contar o texto que as acompanha, principalmente na mesma hora que ocorre o acidente ou desastre – texto, na maioria das vezes, que “não oferece espaço para reflexão por ser excessivamente superficial” (Kovács, 2003). E o que é mais grave: após a enxurrada emocional “segue-se uma notícia sobre amenidades, como os comentários futebolísticos ou culinários” (ibidem). Neste caso como em muitos, a morte escancarada convive com a morte interdita: ao mesmo tempo em que a morte entra em nossos lares, mesmo sem ter sido convidada, ninguém fala sobre ela, dando preferência a assuntos menos intensos, como o futebol.
Kovács (2003), citando Fulton & Owen (1968), aponta dados alarmantes: crianças que nasceram entre 1950 e 1960, portanto a primeira geração televisiva, já viram 10000 homicídios, estupros e outras formas de agressão. Por outro lado, não são apenas as crianças que estão expostas à morte escancarada. Adultos de várias idades também estão expostos à mesma sensação de vulnerabilidade, já que as cenas de morte, violentas ou não, de terror ou não, podem ser transmitidas em qualquer momento. Há imagens de mortes de pessoas ilustres e mortes de povos inteiros – seguidas de relatos mais ou menos precisos de pessoas com fome, dor, desnutrição, doentes, sem casas, etc. As imagens da morte trazidas pela TV têm como característica comum a força de produzirem a imersão, nas pessoas, dos mais variados sentimentos, sem que haja espaço e tempo para as suas elaborações, uma vez que, após a exposição de desastres, fala-se de amenidades. Esta é uma forma de banalizar a morte, apontando que, mesmo ela ocorrendo, a vida continua, pois “vai tudo ficar bem” (Kovács, 2003). Após uma breve exposição sobre a morte escancarada, desejamos ressaltar que não queremos que esses fatos deixem de ser veiculados, mas propomos que se pense em nova maneira de fazê-lo (Kovács, 2003).

2. Morte Interdita versus Morte Humanizada

A morte interdita teve seu início quando algumas verdades começaram a ser problemáticas. Desde a Alta Idade Média até a metade do século XIX, a atitude diante da morte mudou. De uma morte “domada”, familiar, próxima e presente, passou a ser uma morte interdita, negada, silenciada (Àries, 2003). Um sentimento encontrado na metade do século dezenove vem prenunciar a morte interdita: aqueles que cercavam o moribundo tendiam a poupá-lo das informações acerca do seu estado grave e irreversível – o que antes não acontecia. Estabelece-se o fenômeno do “Pacto do Silêncio” – pois, diante da morte iminente, todos (família, equipe médica) preferem o silêncio, evitando-se dar as notícias difíceis para o moribundo, privando-o de elaborar a própria situação. A primeira desculpa para a mentira era impedir que o moribundo assumisse a sua provação de sujeito morrente. Àries (2003) ainda esclarece que essa “desculpa” tem causas conhecidas: a crescente intolerância com presença e com as marcas a morte; a evitação de sentimentos e emoções fortes, causados pela emoção e pela perturbação, insuportável, produzida pela “fealdade da agonia” e pela “simples presença da morte em plena vida feliz”, pois, a partir de então, “admite-se que a vida é sempre feliz, ou deve sempre aparentá-lo”.
Há ainda outro fenômeno que deve ser destacado no processo de interdição da morte: o deslocamento da morte da residência para o hospital. Já não se morre em casa, em meio aos seus, mas no hospital, sozinho. A morte em casa, na Idade Média, significava uma morte ritualística presidida pelo próprio doente em meio à assembleia de seus parentes e amigos. Não se pode afirmar que a morte era aceita com completa resignação pelos vivos, mas que apenas era vivida na familiaridade doméstica, com o moribundo no centro das decisões. Morria-se na presença das pessoas amadas. E o que falar de hoje, quando a morte é escondida de todos, inclusive das crianças! Citando Geoffrey Gorer (1975), Áries (2003) afirma que o tabu sexual vigente até o século XX foi deslocado para o tabu da morte. Hoje em dia, as crianças são precocemente informadas sobre a fisiologia do sexo, mas quando alguém morre, vira “uma estrelinha no céu” ou se diz que esta pessoa “repousa num belo jardim por entre as flores”. Para Gorer (apud. Àries, 2003) quanto mais sexualmente liberal a sociedade tornou-se, mais o tabu deslocou-se para a morte. E obviamente, inerente à interdição aparece a transgressão, expressa pela erotização, pelo sadismo e pela violência. Para Àries (2003), a causa da interdição do tema da morte é a obrigação de felicidade vigente em nossa cultura. Assim, a morte deve ser apagada, não encontrando formas de expressão em nossa sociedade. As pessoas não se consideram mortais e a morte passa a ser uma decisão do médico e dos familiares. Passa a ser ilusoriamente controlável. Torna-se algo da ordem do inominável e, portanto muito difícil de ser psiquicamente representado e elaborado. Durante um processo que demorou séculos, a morte transitou de domada para interdita, sendo roubada dos próprios moribundos, que passaram de protagonistas a expectadores do desfecho de suas próprias vidas, com perda real do exercício da cidadania e da autonomia.
Há muitos trabalhos que falam sobre o “sequestro” da morte nos hospitais, que ocorre simultaneamente à sua presença nas ruas, na mídia e nos instrumentos de comunicação instantânea. Nesse sentido, autores consagrados afirmam que os tempos modernos esvaziaram o sentido da morte, a tradição do ritual, provocando uma redução da abrangência do sagrado e favorecendo um imenso sentimento de solidão nos pacientes gravemente enfermos e nos seus familiares (Hennezel & Leloup, 2012).
Mais sensíveis a esta realidade, alguns pioneiros, dedicando-se a reumanizar a morte, passaram a conferir-lhe novo significado, bem como oferecendo terapêutica adequada ao processo de morrer, observando-se os aspectos físicos, psicossociais e espirituais no cuidado de pacientes e familiares. Os trabalhos de Kübler-Ross (2006) e de Saunders (2004) são fundamentais nesse movimento de humanização do processo de morrer, pois resgatam o significado de morte domada, humanizada, com a presença de pessoas mais próximas ao doente e com intenso respeito pela pessoa adoecida. A esse movimento denominou-se “Cuidados Paliativos”. Esses cuidados são definidos, atualmente, pela Organização Mundial de Saúde, como uma:
Abordagem que aprimora a qualidade de vida, dos pacientes e famílias que enfrentam problemas associados com doenças ameaçadoras de vida, através da prevenção e alívio do sofrimento, por meios de identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual.
Os cuidados paliativos focam o cuidar com vistas à integralidade da atenção em saúde, mesmo que a cura de uma doença potencialmente fatal já não seja mais possível. Assim, além do controle efetivo e minucioso da dor e de outros sintomas estressores, há o necessário cuidado com as dimensões psicológicas, espirituais e sociais dos pacientes, bem como de seus familiares. O desenvolvimento dos programas de cuidados paliativos, ao não prolongar o processo de morrer com medidas inúteis de sobrevivência, proporciona o necessário espaço para as despedidas, com a possibilidade de uma preparação para a separação e de um pensar na vida daqueles que sobreviverão (Kovács, 1992). A morte não mudou, uma vez que continuamos a morrer, mas o que mudou foi, antes de tudo, nossa forma de lidar com o final da vida – já que os Cuidados Paliativos proporcionam a reumanização do processo do morrer, ampliando as possibilidades e as qualidades do viver.

3. Educação para a Morte


É possível uma Educação Humanizada para a Morte? Nós “tentamos afastar-nos da morte, mas estamos diante dela em nosso cotidiano pessoal e profissional”. Impossível escapar dela (PAIVA, 2011)! Por isso, faz-se necessário pensar na educação para a morte, não apenas para profissionais da saúde que lidem com pacientes fora de possibilidades de cura, mas também para profissionais da educação e da comunicação. Essa Educação Humanizada para a Morte envolve lidar com a morte com a naturalidade necessária, sem transformá-la em algo banalizado, fazendo compreender que é possível lidar com a finitude da vida e se valer dessa perspectiva finita para viver integralmente. Gambini sugere que tenhamos a morte como companheira. Esse autor informa, com respeito à sábia face da morte, que admiti-la como companheira é:
O maior propulsor do processo de individuação. [...] Quem conversa com a morte aceita a ideia e a realidade da finitude: a finitude é beleza, a efemeridade é sublime; quanto mais finita, mas bela a vida e mais preciso o momento presente. [...] A morte como companheira deve ser acolhida e de forma alguma evitada, porque é precisamente ela e mais ninguém quem nos ensina de fato a viver. [...] Paradoxalmente, a imagem do término absoluto da vida terrena é que nos habilita a viver a vida em sua possível plenitude. (Gambini, 2005, pp. 135 – 136).
A Educação para a Morte, portanto, deve se empenhar em produzir uma observação sobre o lado sábio da morte, fazendo compreender a sua naturalidade, universalidade e irreversibilidade, assim como promover atitudes de responsabilização, cuidado e acolhimento, aprimorando os recursos psicossociais de profissionais que lidam com a presença da morte em suas atividades profissionais, instrumentalizando-os para uma abordagem efetiva e digna diante das demandas existentes nos mais variados contextos. Também é um poderoso recurso de educação da população, através de mudanças profundas dos paradigmas de cuidado em saúde, mas também, sobretudo, de um olhar diverso para a experiência do viver humana. A educação humanizada para a morte deve preencher uma lacuna na formação de tantos quantos lidam com a morte em suas profissões, promovendo uma melhor abordagem técnica e dando suporte emocional para uma intervenção responsável e eticamente viável diante do sofrimento e das perdas que são experimentadas, nas mais diversas circunstâncias em que a morte se insinua. Por fim, essa educação deve suscitar um amplo debate sobre o lugar da morte na vida contemporânea, favorecendo uma reflexão, entre os membros da sociedade, profissionais da saúde, comunicação e educação, sobre a Humanização da Morte, evitando-se os efeitos danosos da banalização da morte ou de sua interdição.

4. Acompanhamento integral aos moribundos

Hennezel & Leloup (2012) refletem que acolher e acompanhar as dimensões de sofrimento de uma pessoa que está no final da sua vida não é uma tarefa opcional ou facultativa, mas uma tarefa fundamental que todas as pessoas podem e devem assumir pela simples razão de que é uma tarefa humana, que todos irão, mais cedo ou mais tarde, vivenciar, sejam ou não profissionais da saúde. Contudo, para assumir esta tarefa, faz-se necessário reconhecer e ativar as redes de apoio e de suporte, envolvendo os membros da comunidade, profissionais da saúde, educação e comunicação, instituições de apoio, entre outros. O movimento de educação para a morte deve sensibilizar a todos os membros da sociedade para as necessidades das pessoas que vivem o desfecho de suas vidas, instrumentalizando-os para uma abordagem responsável e ativa diante do sofrimento. Precisamos resgatar o movimento de “ir ao encontro do outro”, tão profundamente “quanto for possível”, de penetrar a intimidade dos seus valores e das suas preocupações, sem tentar incutir nele os nossos próprios valores e crenças, mas permitir que o outro encontre respostas e confira sentido às próprias experiências.

5. Discussão

Questiona-se, aqui, a influência da negação coletiva da morte, associada à supressão das emoções fortes, decorrentes da tendência de ter como insuportável a presença da morte, em nossa sociedade contemporânea, bem como a forte tendência dos meios de comunicação em produzir o escancaramento das imagens de mortes horrendas e violentas, sem a devida consideração pelos efeitos que provoca, pois, ainda que não sejam devidamente mapeados e analisados, suspeita-se que tenham alguma influência de ordem tanatológica na vida dos indivíduos. Sugere-se que há uma relação entre os Pactos de Silêncio, além daqueles referentes aos moribundos, e a negação da morte, uma vez que, não raro, eles também oferecem riscos à vida de quem prefere silenciar, tais como nas situações de violência doméstica em que a postura de silêncio é adotada pelo (a) violentado (a). Discute-se, ainda, a tendência da sociedade de afastar os sinais e o rastro da morte da vida cotidiana, como uma forma de evitar lidar com a angústia decorrente da presença de doentes cronicamente adoecidos e, não raro, fora de possibilidades curativas. Destaca-se a falta de uma Educação Humanizada para a Morte – tanto na formação profissional de pessoas que lidam com o noticiamento de eventos traumáticos, quanto na formação de profissionais de saúde e de educação, para uma abordagem responsável e consciente diante da finitude humana.

6. Conclusão

Constata-se que o mundo contemporâneo denega a morte e, desse modo, priva-se de uma reflexão sobre a questão do sentido e do sagrado, produzindo um sentimento de solidão e silenciando diante dos temas relativos às perdas, à morte e ao luto. Como podemos conferir sentido ao processo de morrer quando as palavras, os gestos, os ritos e os procedimentos, nos quais outrora as pessoas encontravam apoio, estão como que esvaziados de sentido? Diante da morte e das questões que ela suscita, não estaremos quase sempre desarmados e profundamente angustiados? No trato com os pacientes gravemente enfermos, dos quais a morte se avizinha, bem como na lida com pessoas enlutadas pela perda de seus amores, somos testemunhas do vazio espiritual, testemunhas que este vazio constantemente engendra, tanto na pessoa, quanto nos seus familiares, um imenso sofrimento. Precisamos nos questionar o que pode ser feito para a exploração de novas vias – onde o sofrimento não seja insuportável, porque alguém se ocupa dele com o cuidado humanitário que ele carece para ser preenchido de sentido e significado. O desafio para o presente e para o futuro consiste em criar, na intimidade de um mundo laico e quase sempre isento de reflexões sobre o sagrado e o sentido – e que pretende permanecer como tal – um humanismo aberto em que a transcendência e o sagrado encontrem lugar no âmago da pessoa, no mais profundo do humano (Hennezel & Leloup, 2012).
Comunicar as notícias difíceis às pessoas que estão nas fases finais da vida é um desafio de comunicação que precisaremos reavaliar, com todos os membros da sociedade. Os silêncios coletivos que nos valemos para calar e evitar referir os problemas associados à finitude da vida encontra ressonância nos programas televisivos, nos mecanismos de comunicação instantânea e nos diálogos da vida comum. Criar intimidade com os temas do fim da vida, sem morbidez ou banalização, significa abrir espaço para o processo de humanização dos sujeitos com respeito aos temas das perdas, da morte e do luto, conferindo um novo nível de maturidade à maneira como comunicamos as notícias difíceis, nos mais variados contextos, trazendo à tona a possibilidade de uma ampla discussão sobre os modos de viver e de morrer, concorrendo para os debates sobre as questões da dignidade da vida, inclusive no seu final.

7. Referências Bibliográficas
ARAÚJO, P. V. R. Percepção de crianças sobre a morte e o morrer – estudo em uma unidade de oncologia. São Cristóvão: Editora EFS; Aracajú: Fundação Oviêdo Teixeira, 2006.
ÀRIES P. História da Morte no Ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
BOWLBY, J. Maternal care and mental health. Monografia nº 2, para a Organização Mundial de Saúde: 1952.
BROMBERG, M. H. P. F. Introdução à edição brasileira. In: Luto: Estudos sobre a perda na vida adulta. Summus Editorial: São Paulo, 1998.
CAPONERO R. A evolução do movimento hospice. In: Dor e Cuidados Paliativos: enfermagem, medicina e psicologia. São Paulo: Manole, 2006, pp. 1 – 16.
CASSORLA RMS. A negação e outras defesas frente à morte. In: Cuidados Paliativos: discutindo a vida, a morte e o morrer. Org.: Franklin Santana dos Santos. São Paulo: Editora Atheneu, 2009, pp. 59 – 76.
ELIAS N. A solidão dos moribundos. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
EPELMAN, C. L. A criança com câncer. IN: Moreira, C. C. (coord.) Pediatria com Psicologia. 1ª ed. São Paulo: Santos, 1994.
FARIA, D. A. P. Morte como desafio afetivo para o profissional da saúde: ansiedade e sentimentos de quem lida com o paciente terminal com câncer. Tese (Pós-Graduação em Ciências da Saúde). Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2008.
FREUD, S. Luto e Melancolia. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud (1914-1916), vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 2004.
GAMBINI R. A morte como companheira. In: MF OLIVEIRA & MH CALLIA (orgs.). Reflexões sobre a morte no Brasil. São Paulo: Paulus, 2005, pp. 135 – 146.
HENNEZEL M., LELOUP J. -Y. A arte de morrer: tradições religiosas e espiritualidade humanista diante da morte na atualidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
INCA (Instituto Nacional do Câncer, Brasil). Comunicação de notícias difíceis: compartilhando desafios na atenção à saúde. Rio de Janeiro: INCA, 2010.
KOVÁCS MJ. (org.). Morte e Desenvolvimento Humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992.
KOVÁCS MJ.  Educação para a morte: desafio na formação dos profissionais de saúde e educação. In: Morte e existência humana: caminhos de cuidados e possibilidades de intervenção. Coord.: Maria Júlia Kovács. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.
KOVÁCS MJ. Educação para a Morte. In: Cuidados Paliativos: discutindo a vida, a morte e o morrer. Org.: Franklin Santana dos Santos. São Paulo: Editora Atheneu, 2009, pp. 45 – 58.
KÜBLER-ROSS, E. A Roda da Vida. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 1998.
_______. Morte: estágio final da evolução. São Paulo: Editora Record, 1975.
_______. On children and death: how children and their parents can do cope with death. New York, NY: Touchstone, 1997.
_______. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2008.
_______. Viver até dizer adeus. São Paulo: Pensamento, 2005.
_______. O túnel e a luz. Campinas: Versus Editora, 2003.
_______. Os segredos da vida. São Paulo: Sextante, 2004.
PAIVA LE. A arte de falar da morte para crianças. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2011.
PESSINI L. Distanásia: até quando prolongar a vida? São Paulo: Loyola, 2001.
ORTIZ, M. C. M. À margem do leito: a mãe e o câncer infantil. Editora Arte & Ciência: São Paulo, 2003.
RODRIGUES, C. F. Adolescentes – Vidas Interrompidas: Por que é tão importante falar sobre Morte como eles? Artigo publicado in: Morte e existência Humana: caminhos de cuidados e possibilidades de intervenção. Maria Júlia Kovács (coord.). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.
SAUNDERS C. Cicely Saunders: selected writings. New York: Oxford, 2004.
SILVA, A. L. P. O acompanhamento psicológico a familiares de pacientes oncológicos terminais no cotidiano hospitalar. Artigo publicado in: Interação em Psicologia, 2003, 7(1), pp. 27-35. Universidade Federal de Santa Catarina.
STASSUN, C. C. S., RADTKE, F. M. Investigação dos impactos da relação da equipe de saúde perante a família no processo de hospitalização e morte de uma criança na UTI pediátrica e neonatal do Hospital Regional Alto Vale. Artigo publicado in: Revista Caminhos, Rio do Sul, n. 1, pp. 111-135, jul./dez. 2006.
VERDADE MM. Ecologia mental da morte. Um novo olhar, uma nova escuta para a Psicologia da Morte. In: Morte e existência humana: caminhos de cuidados e possibilidades de intervenção. Coord.: Maria Júlia Kovács. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008, pp. 162 – 192.
WPCA (Worldwide Palliative Care Alliance). Mapping levels of palliative care development: a global update 2011. England, London, 2011.
YALOM ID. De frente para o sol: como superar o terror da morte. Rio de Janeiro: Agir, 2008, pp. 21 – 36.
PARKES, C. M. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. Summus Editorial: São Paulo, 1998.
VIORST, J. Perdas necessárias. São Paulo: Melhoramentos, 1988.

Nenhum comentário:

Postar um comentário