terça-feira, 18 de junho de 2013

Morte, luto e culpa



// Bel Cesar //

Em 1993, Sherwin Nuland, o cirurgião e professor de medicina, movido pela intenção de esclarecer e desmistificar o processo da morte, escreveu o livro “Como morremos: reflexões sobre o último capítulo da vida”. Este livro foi lançado no Brasil em 1995, pela Editora Rocco. Nuland escreve: “Todos querem conhecer a morte em detalhes, embora poucos se atrevam a confessar. Seja para antecipar os eventos de nossa doença final ou para melhor compreender o que está acontecendo a um ente querido à beira da morte – ou mais provavelmente devido a essa fascinação do id pela morte que todos nós sentimos – somos atraídos por pensamentos sobre o fim da vida. Para a maioria das pessoas, a morte permanece um segredo oculto, tão erotizado quanto temido”.
Nuland descreve como se dá o processo da morte causado por um enfarte, por um derrame, por doenças como o mal de Alzheimer, Aids e Câncer, bem como formas de suicídio ou por acidentes como sufocamento ou afogamento, por exemplo.
O desejo de muitos é morrer dormindo: uma forma de anestesiar a dor do processo de morrer. No entanto, na grande maioria das vezes o processo da morte se dá de forma lenta e difícil. Hoje a medicina já é capaz de controlar a dor física, mas ainda não considera a dor emocional e espiritual como uma prioridade.
Morrer não é romântico. Precisamos nos preparar para conhecer esse processo de modo a aceitá-lo como uma condição humana e não como uma falha humana. A ideia de proporcionar uma morte digna para aqueles que amamos muitas vezes está inocentemente associada a uma morte sem dor, ausente de processos degenerativos do corpo humano difíceis e desagradáveis de serem testemunhados. Não podemos nos sentir culpados por nossa natureza humana. Isto é, precisamos aceitar o processo natural do envelhecimento, a falência precoce dos órgãos vitais, ou seja, um processo degenerativo da doença como um fenômeno próprio de nossa natureza humana.
O sentimento de impotência frente à morte é frequente naqueles que presenciam um processo de morte sofrido ou precoce. Muitas vezes, surge um sentimento de culpa por “não ter sido capaz de fazer mais nada”. Esse sentimento de culpa é resultante de uma super-avaliação de nós mesmos: pensamos que poderíamos ter feito algo que, na realidade, não nos cabia fazer. Um dos motivos por que isso acontece é por que encaramos a morte sempre como uma derrota. Outro motivo é por que confundimos os nossos sentimentos com os sentimentos dos outros. Aqui incluo um trecho de meu livro “Morrer não se improvisa” (ed. Gaia), extraído das páginas 179 e 180. Muitas vezes não sabemos o que acontece dentro de nós, mas temos “certeza” do que acontece com os outros. Temos o hábito de concluir, sem consultá-los, o que eles pensam e porque agem de determinada maneira.
Quando a pessoa com quem temos o hábito de pensar “por ela” está morrendo, ilusoriamente pensamos ser capazes de fazer algo no lugar dela. Queremos fazer de tudo para aliviá-la da dor e de seus conflitos emocionais. Mas uma vez que não atingimos nosso objetivo de acalmá-la, sentimos culpa, como se não tivéssemos feito o suficiente. Precisamos compreender e aceitar que nada podemos fazer no lugar de outra pessoa, a não ser inspirá-la a fazer algo por ela mesma. Por isso, é saudável reconhecer que a morte é algo natural e que não há nada de errado em morrer. Assim, poderemos abandonar a culpa, baseada em pensamentos de que sempre poderíamos ter feito mais.
O sentimento de culpa também está presente na pessoa que está morrendo. Muitas vezes, ela se sente “responsável” pela sua doença e um peso para a sua família. Também se sente culpada por “abandonar” aqueles que ficam: pais, filhos ou marido. Essa sensação surge quando pensamos ser capazes de estar sempre presentes quando o outro precisar de nós.Assim como uma mãe gostaria de poder consolar seu filho sempre que ele necessitasse de consolo. Durante a vida, temos inúmeras oportunidades para aceitar as separações como resultado natural de um encontro - especialmente quando alguém se separa de nós sem esclarecer a razão de sua atitude. Aí temos a oportunidade de superar a ideia, pretensiosa, de que teríamos o direito de compreender a razão de tudo e, portanto, de controlar a situação. Se aprendermos a aceitar de que nada é permanente, poderemos aprender a nos separar. Por isso, também é saudável reconhecer que não há nada de errado em se separar. Repetir inúmeras vezes as frases não há nada de errado em morrer e não há nada de errado em se separar pode nos ajudar a superar a culpa e a aceitar a realidade. No livro A Arte de Morrer, Marie de Hennezel (Ed. Vozes) escreve: “O ‘tempo de morrer’ tem um valor. acompanhar esse tempo exige de todos uma aceitação diante do inelutável, do inevitável, que é a morte. isso implica o reconhecimento de nossos limites humanos. seja qual for o amor que sintamos por alguém, não podemos impedi-lo de morrer, se esse é o seu destino. também não podemos evitar um certo sofrimento afetivo e espiritual que faz parte do processo de morrer de cada um. Podemos somente impedir que essa parte de sofrimento seja vivida na solidão e no abandono; podemos envolvê-la de humanidade”.
Aqueles que testemunharam o processo de uma morte e se deixaram tocar pelos poderosos efeitos dessa experiência buscaram ampliar a sua visão de mundo. Assistir alguém morrendo torna-nos conscientes de nossos limites humanos e leva-nos a ser mais realistas e menos pretensiosos quanto às nossas possibilidades. Assim como, podemos encarar a morte de maneira positiva, independentemente de este processo ser sofrido ou não.

Um comentário:

  1. Amiga Marcia..
    Primeiramente quero parabenizar pelo lindo visual do blog e também pelas postagens tão bem escolhidas e que nos ajudam a entender a Vida e a Morte precisamos aceitar esse processo que nas nossas vidas temos dois fenômenos que temos que passar nesta vida..
    Nascer ou Morrer.
    Obrigada por tanto esclarecimento e ajuda...
    Uma semana de muita LUZ para vc e sua equipe...
    um grande abraço com muito carinho para vcs.

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